6 de janeiro de 2010
REFLEXÃO SOBRE OS PRINCĺPIOS DA POLĺTICA EXTERNA DE MOÇAMBIQUE: INTERESSE NACIONAL VERSUS PRESTĺGIO INTERNACIONAL
INTRODUÇÃO
Escrevo numa altura em que o país sai das eleições gerais. Portanto, numa altura em que se vai formar um novo governo e se empossar novos deputados na Assembleia da República. Se bem que os deputados são resultado de listas partidárias, creio que alguns membros do partido vencedor terão que assumir pastas governamentais. Pelo menos foi assim em 2005.
Este artigo surge da necessidade de analisar o poder geopolítico de Moçambique no contexto regional (África Austral) versus o uso desse mesmo poder. Espero que o futuro elenco a ser nomeado para dirigir a política externa de Moçambique considere este artigo.
No seu website, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação define como linhas de orientação da politica externa de Moçambique,
Os princípios fundamentais consagrados na Constituição da República, conforme os Artigos 17 a 22 da mesma. Assim sendo, a política externa pauta-se pelos seguintes princípios:
• Estabelecimento de relações de amizade e cooperação com outros Estados na base dos princípios de respeito mútuo pela soberania e integridade territorial, igualdade, não interferência nos assuntos internos e reciprocidade de benefícios.
• Observância e aplicação dos princípios da Carta da Organização das Nações Unidas e da Carta da União Africana.
• Solidariedade para com a luta dos povos e Estados africanos, pela unidade, liberdade, dignidade e direito ao progresso económico e social.
• Busca e o reforço das relações com países empenhados na consolidação da independência nacional, da democracia e na recuperação do uso e controlo das riquezas naturais a favor dos respectivos povos.
• Luta pela instauração de uma ordem económica justa e equitativa nas relações internacionais.
• Apoio e solidariedade com a luta dos povos pela libertação nacional e pela democracia.
• Concessão de asilo aos estrangeiros perseguidos em razão da sua luta pela libertação nacional, pela democracia, pela paz e pela defesa dos direitos humanos.
• Manutenção de laços especiais de amizade e cooperação com os países da região, com os países de língua oficial portuguesa e com os países de acolhimento de emigrantes moçambicanos.
• Prosseguimento de uma política de paz, só recorrendo à força em caso de legítima defesa.
• Defesa e primazia da solução negociada dos conflitos.
• Defesa do princípio do desarmamento geral e universal de todos os Estados.
• Contribuição para a transformação do Oceano Índico em zona desnuclearizada e de paz.
O DEBATE
A teoria Realista das Relações Internacionais advoga que a acção dos Estados no sistema internacional é movida com base nos interesses… na verdade, no interesse nacional.
Surge a primeira questão: será que estas linhas orientadoras da política externa de Moçambique foram desenhadas com base no interesse nacional? Se sim, com base em que interesses? Parece-me que o interesse nacional, desde a aquisição da independência, em 1975, tem sido a busca da paz, a erradicação da pobreza absoluta e a promoção do desenvolvimento económico e humano.
O primeiro e o segundo princípio orientador da política externa advogam ao respeito pela integridade territorial e soberania dos outros estados, e a aplicação dos princípios das Nações Unidas e União Africana…
A questão do respeito pela soberania dos outros Estados tem sido bastante debatida no sistema internacional. Talvez seja necessário passar a se discernir a soberania do estado da soberania do governo. Se estas forem as mesmas, veremos que existe uma inteira contradição com o terceiro princípio que advoga a…Solidariedade para com a luta dos povos e Estados africanos, pela unidade, liberdade, dignidade e direito ao progresso económico e social.
Ou se é solidário com o Estado (governo), ou se é solidário com o povo. Exemplo concreto: temos estado a presenciar a crise política no Zimbabwe. O povo tem sido a pior vítima da mesma, mas os Estados vizinhos não se sentem apressados em resolve-la definitivamente. Falo de Estados que dispõem de poder e influencias suficientes para a resolução daquela crise, mas que simplesmente prefere manter o status quo em nome da soberania e o principio da não interferência, senão outros interesses. Há meses, a plataforma da sociedade civil veio a Maputo e conversou fortemente com algumas organizações da sociedade civil (entre as quais o Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais - CEMO) a explicarem a verdadeira dimensão social da crise no seu país, bem como a pedirem que as organizações da sociedade civil de Moçambique, sensibilizem o seu governo a pressionar o regime de Robert Mugabe a se render aos desejos do povo zimbabweano. O governo de Maputo deveria fazê-lo na qualidade de presidente da troika da defesa e segurança da SADC. Na verdade não soube do desfecho da cimeira da Troika em Maputo. Mas pelos meus contactos naquele país, a crise continua em todas as vertentes. Há chacina e desaparecimento de personalidades políticas, não há liberdade de expressão, a inflação se deteriora, a economia afunda-se cada vez mais, a sociedade desintegra-se, etc. Entrementes, aparecem Estados vizinhos (como Moçambique) a postularem nas suas linhas orientadoras de política externa que se regem pela solidariedade para com os povos vizinhos. Pior ainda, esses princípios estão postulados no Acto Constitutivo da União Africana. Credo!
Em resumo, ou se respeita a soberania dos Estados, ou se respeitam os direitos dos povos. A praxe já mostrou que em África se respeitam as soberanias dos Estados. Excepção foi Julius Nyerere que teve a coragem de intervir no Uganda para retirar o regime nocivo de Idi Amin, a 11 de Abril de 1979. Ainda o governo de Nelson Mandela que repôs a ordem no Lesotho, perante uma tentativa de invasão por parte de uma Junta Militar, em 1998. Talvez haja outros exemplos…
Mas muito poucos!
O quarto princípio advoga a recuperação do uso e controlo das riquezas naturais a favor dos respectivos povos.
Como vamos ajudar outros a recuperarem o uso e controle das riquezas, se nem nós temos tal controle? Quantas vezes não temos visto e ouvido que tantas toneladas de touros de madeira foram apreendidas neste ou naquele porto de Moçambique? Isso para não falar dos recursos marítimos e mineiros.
Para o cúmulo, parece pejorativo afirmar que ajudaremos os outros a "recuperarem"… Estaríamos a afirmar que os outros não têm o controlo dos seus recursos… se sim, talvez seja melhor mencionar que Estados não tem controlo e que precisariam da nossa ajuda para "recuperar" esse controle. Pelo que eu saiba, Estados como o Botswana, a África do Sul e outros têm o controlo sobre os seus recursos naturais. No campo das relações internacionais, as palavras são muito perigosas! Ao longo da história, elas já foram motivo para o deflagrar de vários conflitos…
CONCLUSÃO
Joseph Nye (2009) distingue três tipos de poderes no sistema internacional: suave, o agressivo e o misto (hard, soft and smart power). Com o poder agressivo, o Estado usa a sua força para impor ou prosseguir com o seu interesse nacional. Foi o que aconteceu com a investida ao Iraque, Afeganistão, Vietname, etc.
Contudo, nalgumas vezes os mesmos EUA usam o poder suave na prossecução do seu interesse nacional. Fá-lo com os Estados quase pares (em termos de poder) ou mesmo os que têm menos poder. Caso da maioria dos países Africanos, a América do Sul e parte da Ásia. Entrementes, a administração Obama pauta pelo terceiro tipo de poder: o misto. Este consiste na combinação dos poderes suave e agressivo. Na verdade consiste no uso dos recursos amistosos e diplomáticos na prossecução dos objectivos da política externa. Esgotados tais recursos, o Estado parte para a linha dura, o hard power. A guerra, as ameaças e as sanções fazem parte deste poder.
Apresentei aqui algumas ferramentas para a prossecução da política externa. Elas são usadas consoante o poderio das nações. Esse poderio pode ser militar, económico, geopolítico e sociocultural.
Urge que Moçambique tome consciência sobre o seu poderio regional e faça o pleno uso do mesmo ao estilo smart. O regime de Mugabe, por exemplo, não pode continuar a massacrar os seus concidadãos a seu bel-prazer. Se bem me recordo, notas dos meios de informação têm feito saber que este Estado deve elevadas somas ao nosso Estado, derivadas do não pagamento da energia eléctrica provinda de Cahora Bassa. Temos essa arma económica para agir e pressionar de qualquer forma, ao regime de Mugabe. Ademais, trata-se de um Estado que sempre se beneficiou do nosso porto da Beira para se comunicar com o Oceano Indico. Outra arma geopolítica. Porque ainda não falar da nossa posição de Chefes da Troika da SADC? Meus caros, é tempo de agir como um Estado com poder no contexto da SADC. O Estado moçambicano deve ser capaz de notificar a África do Sul sobre a contínua perda dos seus concidadãos por causa da xenofobia. O nosso Estado tem essa prerrogativa. Aliás, quantos moçambicanos não deram suas vidas pela causa anti-apartheid? Hoje somos assim agradecidos? O poder conquista-se… mas para ser exercido! Vamos esquecer um pouco o prestígio que almejamos no sistema internacional e perseguir o nosso interesse nacional usando todas ferramentas necessárias… Alias, estaríamos com a nossa versão de smart power se combinássemos uma politica externa baseada na busca pelo interesse nacional e pelo prestígio internacional.
Consultas
1. Can apples be reaped from a thorn tree? Crisis in Zimbabwe Coalition
September 04, 2009. www.crisiszimbabwe.org
2. http://www.latimes.com/news/opinion/commentary/la-oe-nye21-2009jan21,0,3381521.story
3. http://www.minec.gov.mz/content/view/60/131/
4. Mandela defends Lesotho intervention. http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/179120.stm
5. KAUPP, M & VIOTTI, P. (1999). International Relations Theory: Realism, Pluralism, Globalism, and Beyond (3rd Edition). Allyn and Bacon. Boston
6. MUAKIKAGILE, G. (2007). Nyerere and Africa: End of an Era. New Africa Press. Pretoria, South Africa.
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