19 de maio de 2011

OS CONFLITOS NOS GRANDES LAGOS NA VISAO DE PAULO MUXANGA

A CRISE DOS GRANDES LAGOS E A PROBLEMÁTICA DOS REFUGIADOS EM MOÇAMBIQUE

Paulo F. C. Muxanga

Com este artigo pretendemos levantar alguns aspectos relativos ao fluxo de refugiados no território moçambicano e suas implicações na segurança e ordem públicas no País. Moçambique tem registado um influxo considerável de refugiados e outro tipo de imigrantes que se faz passar por refugiados, originários, sobretudo da zona dos grandes lagos (RDC, Burundi e Ruanda) e do corno de África (Somália). Um relatório da Comissão da União Africana revela que África possui 3 milhões de refugiados, dos quais 160 mil se encontram na África Austral e são provenientes da República Democrática do Congo (RDC), do Burundi, do Ruanda e da Somália. Segundo o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, “(…) Moçambique é um exemplo de acolhimento e tratamento dos refugiados a nível do continente e por se tratar de um país em paz e em franco desenvolvimento constitui atracção”. Dados do Instituto moçambicano de Apoio aos Refugiados (INAR, 2010) apontam para a presença, em Moçambique, de um número acima de 8.500 refugiados e requerentes de asilo, dos quais, mais de 5.500 estão no centro de refugiados de Marratane, em Nampula, que é o maior do país, e os restantes, cerca de 3.000, encontram-se residindo fora do centro. Deste universo, grande parte provém da República Democrática do Congo, depois Ruanda, Burundi e Somália. Contudo, há também refugiados de outros países, em números menores.

O acolhimento de refugiados por si só não constitui factor de inquietação, até porque os Países Africanos adoptaram em 1969, a Convenção da OUA sobre aspectos específicos do problema dos refugiados em África, a qual, tal como a Convenção das Nações Unidas de 1951, exorta os Estados a concederem protecção e assistência às pessoas forçadas a abandonarem os seus países de origem por razões de insegurança interna e ameaça à sua integridade física.
Entretanto, quando o fluxo de imigração é crescente, torna-se complicado para países como Moçambique, com uma infra-estrutura económica e social fraca e com escassez de recursos, responder positivamente aos desafios impostos pela presença de estrangeiros necessitando de atenção especial por parte dos governos. A situação agrava-se quando a assistência internacional para estes casos é limitada, assumindo, os países acolhedores, grande parte da responsabilidade de manutenção e protecção dos refugiados, como está a suceder em Moçambique, onde o ACNUR e o PMA têm reduzido crescentemente a sua intervenção e os apoios concedidos ao governo. António Guterres disse, a propósito, numa visita efectuada à Moçambique, que o ACNUR estava a fazer reformas no sentido de minimizar os gastos na assistência aos refugiados, que se encontram em Moçambique ou noutros países.
Por seu turno, o INAR refere que o Estado moçambicano gasta anualmente de forma directa através do Orçamento Geral do Estado cerca de 10 milhões de meticais, para além de outros custos indirectos, com o acolhimento e manutenção dos refugiados.
Por outro lado, importa referir que, pelo facto de muitos dos refugiados serem provenientes de situações de conflitos armados (Guerra civil), por vezes, trazem consigo as suas armas. Estas são então usadas por alguns para praticar crimes, que incluem assalto à mão armada e furto. Estes influxos massivos de refugiados podem também contribuir para o aumento de ocorrência de outros ilícitos, como contrabando, branqueamento de capital e economia subterrânea.
Em Moçambique tem se assistido nos últimos anos a um crescimento acelerado do número de estrangeiros actuando na área comercial, sobretudo no comércio informal, destacando-se cidadãos de nacionalidade nigeriana e congolesa, com estes últimos a tomarem gradualmente o controlo desta área. A fragilidade do Estado em termos de capacidade de controlo (a nível das fronteiras e dentro do País) sobre os imigrantes (legais e ilegais) facilita de alguma forma a sua movimentação e potencia a prática de actividades ilícitas, tais como contrabando, tráfico de drogas e branqueamento de capital, com consequências negativas para a economia e o tecido social do País.
Mas também, esta entrada massiva de estrangeiros no território nacional pode ser, a semelhança daquilo que ocorreu na África do Sul, um foco potencial de xenofobia. A Liga dos Direitos Humanos e a Citizenship Rights da África do Sul, referem, por exemplo, no relatório que publicaram sobre as causas das acções xenófobas de 2008, que " é real" o risco de violência contra estrangeiros noutros países da África Austral que acolhem comunidades imigrantes significativas, como Moçambique, "porque há também um olhar de desconfiança da população local em relação aos de fora, principalmente em relação a algum desafogo financeiro que alguns estrangeiros ostentam". Muitos moçambicanos vivem de facto numa situação de pobreza aguda, em oposição à situação apresentada por alguns destes estrangeiros que, como foi já referido, têm estado a tomar o comércio informal nas cidades do País, ostentando em pouco tempo sinais de riqueza, para muitos moçambicanos, difíceis de perceber. Esta situação pode desenvolver, por parte dos nacionais, a ideia de que os estrangeiros são privilegiados e têm a vida facilitada, como sucedeu em parte com os sul-africanos, o que contribuiu para a situação explosiva que África do Sul viveu e continua a viver.
Já existem segmentos da sociedade civil em Moçambique, sobretudo na zona Norte (particularmente em Nampula, onde se situa a maior parte de estrangeiros na condição de refugiados), que começam a levantar vozes, associando os estrangeiros, entre outros crimes transnacionais, ao tráfico de seres humanos, para além de considerar que a sua entrada no País acontece sem respeito pelos valores tradicionais, sócio-¬culturais e económicos locais. Um responsável de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) de Nampula dizia em jeito de desabafo “é um País de tudo e de todos”. Estes sinais podem parecer insuficientes, mas são reveladores de um potencial de conflito, cujo degenerar poderá acarretar consequências desastrosas para o País.
Portanto, como se pode perceber, a crise nos grandes lagos não é e nem deverá ser vista com uma questão apenas para os Países daquela região. Esta afecta e de forma significativa Países mais afastados, como Moçambique, África do Sul e outros, exigindo, por isso, um compromisso maior, por parte destes, na busca de soluções concretas e duradoiras para esta crise.
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