19 de maio de 2011

SOBRE A CRISE NA COSTA DO MARFIM

COSTA DO MARFIM: PARA ENTENDER A CRISE POLÍTICA!

Constâncio Nguja

Introdução
Em 2002, um conflito armado levou a divisão da Costa do Marfim em duas partes. Desde então, a instabilidade tem reinado naquele Estado. Em 2010, as eleições que se entendiam como a solução para todos os conflitos, desaguaram numa crise sem precedentes.
Trata-se de um Estado localizado na Africa Ocidental, com uma área de 322,462 km.2
Tem como vizinhos a Libéria, a Guiné, o Mali, a Burkina Faso e o Ghana. Tem uma população de aproximadamente 21 milhões de habitantes.

Antecedentes
A Costa do Marfim ascendeu a independência da colonização Francesa, em 1960. Seu primeiro presidente foi Félix Houphouet Boigny. Em três décadas, este líder levou a Costa do Marfim a prosperidade económica e a harmonia étnica.
A fase próspera termina quando Houphouet perde a vida, em 1993, vítima de doença. À frente do Estado estava o então Primeiro Ministro Alassane Ouattara. Entretanto, Houphouet nunca deixara clara a questão da sua sucessão, entre o seu Primeiro Ministro e o Presidente da Assembleia Nacional, Henry Konan Bedié. Após a morte daquele líder, houve o primeiro cenário de dupla Presidência interina na Costa do Marfim, entre Alassane Ouattara e Henry Konan Bedié, pelo menos por dois dias (entre os dias 7 e 9 de Dezembro de 1993).
O cenario dúbio termina com a resignação de Ouattara, a 9 de Dezembro de 1993, cedendo para Bedié. Em 1995, Bedié engendra eleições perante uma oposição fraca e desorganizada, o que lhe garantiu uma vitória folgada. Se bem que Houphouet fizera de tudo para acomodar as tensões étnicas, Bedié reavivou-as com um único objectivo de sufocar o seu rival directo, Alassane Ouattara. Dado que o norte do país tem por maioria uma população com raízes estrangeiras (inclusive Ouattara), quase metade da população sentiu-se excluída dos processos políticos do país de que eram nacionais. Era o início do deflagrar das tensões étnicas, ora adormecidas.
Em 1999, Henry Konan Bedié sofre um golpe de Estado militar que levou o General Robert Guei a assumir a Presidência. Henry Konan Bedié exilou-se na França. Robert Guei dirigiu o país até as eleições de 2000, quando perdeu a favor de Laurent Gbagbo. Alassane Ouattara foi impedido de concorrer por alegadas razões de nacionalidade estrangeira. Este facto gerou uma onda de violência naquele território entre o Norte e o Sul. O culminar das tensões deu-se em 2002, aquando da viagem do Presidente à Itália. Um grupo de militares prestes a serem desmobilizados retaliou-se contra o governo, deflagrando numa Guerra civil. O grupo de rebeldes teve apoio da população do Norte.
Em 2003, os rebeldes e Laurent Gbagbo assinaram um armistício e acordo para a formação de um Governo de Unidade Nacional. Nem com o armistício os rebeldes desarmaram. Gbagbo continuou a perseguir a oposição. O seu mandato terminou em 2005, mas nem com isso quis convocar eleições. A crise foi se estendendo até à assinatura de um segundo acordo de paz entre os rebeldes, convertidos em Novas Forças, lideradas por Guillaume Soro, e Laurent Gbagbo, em 2007. Guillaume Soro foi nomeado para cargo de Primeiro Ministro, e novas eleições foram anunciadas para 2010.

O cenário actual
As eleições de 2010 realizadas em duas voltas, deram vitória a Alassane Ouattara (com 54% dos votos), em detrimento de Laurent Gbagbo (com 46%), segundo a Comissão Eleitoral Independente (CEI). O conflito começa quando o Presidente do Conselho Constitucional declarou inválidos os resultados divulgados pela CEI, tendo declarado Gbagbo o vencedor.
Questões: Até que ponto o Conselho Constitucional (CC) declara o vencedor de uma eleição em modelos democrático-liberais? O CC pode invalidar ou não os resultados das eleições, mas cabe às Comissões Eleitorais a reparação dos erros das eleições a fim de que se apurem novos vencedores e derrotados. Ademais, esta é mais uma oportunidade de se reflectir sobre a independência do poder judicial em África. Até que ponto um Presidente do CC é indepedente se é nomeado pelo Presidente da República?
Entretanto, há que louvar a unanimidade do sistema internacional, e principalmente da União Africana, em reconhecer Alassane Ouattara, como legítimo vencedor das eleiçoes, e condenar a teimosia de Gbagbo em se manter no poder. É um momento ímpar de consenso por parte das lideranças Africanas.
Cenários futuros desejáveis
• Que Laurent Gbagbo se afaste voluntariamente do palácio presidencial;
• Que Laurent Gbagbo se afaste do poder por pressao da comunidade internacional;
• Que a comunidade internacional intervenha militarmente para depor Laurent Gbagbo.
Cenários futuros indesejáveis
• Que Laurent Gbagbo se mantenha no poder a todo custo;
• Que deflagre uma guerra civil;
• Que se forme um Governo de Unidade Nacional;
• Que a comunidade internacional tolere o status quo.

Conclusão
A pesquisadora do Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO), Delfina Dança, publicou recentemente um artigo sobre a ineficácia dos Governos de Unidade Nacional (GUN) em África, o que leva a crer que não pode servir de solução para a crise na Costa de Marfim. Aliás, este é o desejo de todos os candidatos perdedores, como Laurent Gbagbo. A continuar a se resolver diferendos eleitorais com a formação de GUN, nenhum candidato derrotado aceitará ceder o poder nos Estados Africanos. Os Estadistas Africanos comprometeram-se em rejeitar a tomada de poder por Golpes de Estado, mas eis que quando muitos presidentes cessantes perdem nas eleições, tendem a querer manter-se no poder por via de fraudes, uso da força com retaguarda de militares, entre outras vias. Foi o caso de Robert Mugabe, no Zimbabwe, Mwai Kibaki no Quénia, e agora com Laurent Gbagbo, na Costa do Marfim. Madagáscar é outro caso, mas na vertente de flagrante golpe de Estado. África deve unir-se na reposição da vontade dos povos manifesta nas urnas! Até quando vai-se tolerar injustiças contra os povos por causa de interesses individuais?

Sem comentários: