19 de maio de 2011

A CRISE DE MAGREBE NA VISAO DA DELFINA DANCA

MAGREBE: PARA ENTENDER A CRISE NA DIMENSÃO DA DEMOCRATIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS E LIÇÕES PARA ÁFRICA SUB-SAHARIANA

Delfina Dança

INTRODUÇÃO
No anterior artigo “Governo de Unidade Nacional: Um Novo Modelo de Democracia em África” – discutia-se a tendência de criação desse tipo de Governo em África e o modelo de democracia ocidental inadequado à realidade Africana. A actual crise política que se vive na região do Magrebe parece confirmar essa hipótese. É objectivo deste artigo analisar os contornos desta crise para, através disso, reflectir em torno das hipóteses para a democratização em África.

ANTECEDENTES
A crise teve seu início na Tunísia, no dia 17 de Dezembro, quando o desempregado Sidi Bouzeid, de 26 anos e com formação superior, foi abordado por agentes da polícia enquanto vendia verduras na rua. Após ter sua mercadoria apreendida, foi impedido de prestar queixa. O jovem ateou fogo ao próprio corpo e morreu dias depois no hospital. A morte de Bouzeid deu azo a uma série de protestos que se espalharam rapidamente pelo país e região. Centenas de pessoas fazem-se às ruas para protestar contra o desemprego, corrupção e falta de liberdades e direitos.

CARACTERÍSTICAS:
• Manifestações organizadas: A União Geral dos Trabalhadores Tunisinos (UGTT), o poderoso sindicato que desempenhou um papel fundamental na organização dos protestos, reivindicou a dissolução do Executivo de transição e a formação de um governo de "salvação nacional", sem ministros do regime anterior. Milhares de habitantes da capital juntaram-se a centenas de pessoas procedentes das regiões do interior do país, em direcção à capital para pedir a ruptura definitiva com o regime anterior.

• Acontecimento atípico: trata-se do primeiro acontecimento do género no mundo árabe. O povo tunisino é visto como pacífico, tranquilo muito mais educado e diplomado que os demais Africanos, e possui um Exército menos repressivo em relação ao povo. As manifestações surpreenderam o mundo árabe e a comunidade internacional, por tratar-se de uma região onde predomina o medo e a repressão.

• Mobilização: houve uma mobilização massiva (mais de mil pessoas), sendo na sua maioria jovens. Destaque vai para o uso massivo de tecnologias de informação como a internet e as suas redes sociais (Facebook e Twitter). Participaram pessoas de diferentes classes sociais: professores, estudantes, trabalhadores, vendedores de rua, camponeses, dando a ideia de uma insatisfação generalizada.


RESULTADOS:
• A fuga do ex-presidente, Zine El-Abidine Ben Ali para a Arábia Saudita pondo fim à ditadura que reinava no país havia 23 anos;
• A reposição de uma ordem política baseada na vontade do povo. Foi convocada a formação de um governo de união nacional para funcionar durante o período transitório até às próximas eleições, convocadas para dentro de 6 meses;
• Amnistia aos presos políticos;
• Promessa de legalização dos partidos políticos;
• Promessa de anulação das leis anti-democráticas (com destaque às lei eleitoral e anti-terroristas, bem como ao código de imprensa);
• Promessa de preservação do estatuto da mulher, a proibição da poligamia, assim como a gratuidade do ensino e o acesso à saúde;
• Efeito contágio e dominó na região.


O “EFEITO CONTÁGIO” REGIONAL
A crise política que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, tem inspirado vários países da região. Os povos das nações vizinhas têm estado a seguir o exemplo, numa versão fatídica do spill over effect (efeito contágio) e da teoria de dominós.
Protestos contra os regimes autoritários, o custo de vida e a falta de oportunidades de trabalho têm sido registados no Egipto, Iémen, Jordânia, Qatar, Oman, Emirados Árabes, Argélia, Sudão, Mauritânia e Marrocos. Manifestações do género eram inconcebíveis nesses países, até então. No Egipto, por exemplo, os cidadãos saem às ruas para exigir a demissão do presidente Hosni Mubarak, para além dos direitos sociais, económicos e políticos.
O analista político libanês Rami Khouri, do Instituto Fares da Universidade Americana de Beirute, disse à BBC Brasil que governos totalitários no norte da África e no Médio Oriente enfrentam insatisfação popular cada vez maior com a falta de soluções para os problemas económicos e sociais e de liberdades individuais - "O problema que assola a região é comum a todos. A actual ordem política e económica do mundo árabe é instável e insustentável, porque traz insatisfação para a imensa maioria de seus cidadãos", afirma.
Trata-se do Renascimento do activismo árabe entre as populações mais jovens e mais conscientes, com fome de liberdades individuais, emprego e desenvolvimento.

LIÇÕES PARA OS GOVERNOS AFRICANOS
O que ocorreu em Túnis rompeu o costume do medo e mostrou que era possível - com uma velocidade surpreendente - derrubar um regime e que isso não é tão difícil quanto se se imaginava. Foi o resultado do que os regimes autocráticos fizeram da política no mundo árabe: partidos da oposição debilitados ou sistematicamente isolados.
Estamos perante um contexto em que os cidadãos se mobilizam para fazerem valer os seus direitos. Um contexto em que os dirigentes não têm opções, senão ceder às exigências do povo. Afinal, democracia é isso mesmo: PODER DO POVO!
Os dirigentes dos países do Médio Oriente temem agora o efeito contagiante dos acontecimentos da Tunísia. O medo é inevitável e suas consequências, imprevisíveis.
Caso o fenómeno tunisiano se estenda pelo continente negro, há possibilidade de alguns dirigentes que se querem “vitalícios” e “déspotas” enfrentarem situações similares. Afinal, a paciência do povo tem também limite. Basta lembrar os acontecimentos vividos em Moçambique a 1 e 2 de Setembro de 2010, quando dezenas de pessoas se fizeram às ruas de Maputo para protestarem contra a subida dos preços dos produtos alimentares, combustível, ou no geral, do custo de vida. Espera-se que o cenário vivido na África do Magrebe sirva de exemplo aos governantes da África Sub-Sahariana.

CONCLUSÃO
O levante tunisino está a encorajar os grupos de oposição na região. Resta saber como a onda de motins vai terminar. A verdade é que o Mundo está atento aos acontecimentos do Magrebe e Médio Oriente, com ênfase nos desfechos. Na Tunísia, o povo demonstrou que é capaz de transformar a revolta em uma verdadeira revolução. Assim vai o Egipto, a marcar a primeira audiência nas manchetes dos jornais mundiais. Estamos perante um jogo de “soma zero”: ou o povo ganha, ou os tiranos ganham! Não há meio termo. A Tunísia abriu as portas para a liberdade e reposição dos direitos humanos, há muito negligenciados, no mundo árabe, e deu lição às más lideranças da África Sub Sahariana.

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