19 de maio de 2011

A CRISE DO ZIMBABWE NA VISAO DA DELFINA DANCA

O IMPACTO DA CRISE ZIMBABWEANA NA ÁFRICA AUSTRAL: OS CASOS DE MOÇAMBIQUE E ÁFRICA DO SUL

Delfina Dança

Este artigo pretende fazer uma análise do impacto da crise zimbabweana na África Austral, com enfoque para SADC, bloco regional do qual o Zimbabwe é parte, e, particularmente, para Moçambique e África do Sul, pelo reflexo que a crise teve nos dois países e pelo contributo que ambos podem prestar para superar a crise.

A crise económica Zimbabweana teve seu início no ano 2000, altura em que o Presidente Robert Mugabe introduziu a reforma agrária. A Agência Lusa (Janeiro de 2009) dava conta da taxa de inflação ter ultrapassado os 231 milhões por cento ao ano, sendo considerada a maior inflação do mundo, e o desemprego atingido mais de 85 por cento da população activa. A esta crise associou-se a crise política, sobretudo após as eleições gerais de 2008, as quais foram consideradas nao transparentes por parte significativa dos actores envolvidos no processo.

Em decorrencia destes acontecimentos, a opinião pública africana e a comunidade internacional apelaram para o engajamento efectivo dos lideres africanos na solucao da crise, incluindo a aplicação de sanções. Entretanto, as lideranças africanas mostraram dificuldades em se posicionar contra seus homólogos, para impor sanções, limitado-se quase sempre a condenar verbalmente suas atitudes. Mesmo com a denúncia de violação de direitos humanos feita pela Human Rights Watch, e outras instituicoes, não houve accoes concretas para além da condenação verbal e apelo ao bom senso.

A crise mostrou igualmente a fraqueza da SADC na resolução de conflitos nos países membros. Esta percepção de fraqueza da SADC em lidar com as crises políticas na organização é reforçada pela forma como a mesma tem estado a abordar a crise política Malgaxe, a qual perdura até hoje. Por outro lado, este desempenho da SADC pode encorajar o aparecimento de novos casos de desrespeito pelos princípios democráticos nos países da região, propiciando inclusive, a longo prazo, o retorno dos regimes monopartidários em África.

Os Casos de Moçambique e África do Sul
Na África do Sul, a crise reflectiu-se no aumento da imigração de zimbabweanos a procura de oportunidades de sobrevivência. Com a crise financeira mundial, muitos sul-africanos perderam seus empregos. Em contrapartida, os empregadores admitiam os zimbabweanos por aceitarem trabalhar longas horas com salários baixos. De acordo com o jornal da BBC, de Maio 2008, esta situação desencadeou uma onda de ataques xenófobos, com os sul-africanos a alegarem que os zimbabweanos retiraram-lhes o emprego.
Em Moçambique também registou-se uma entrada crescente de imigrantes zimbabweanos, sobretudo no centro do país, nas províncias de Sofala e Manica, muitos dos quais acabaram permanecendo ilegalmente no país. Algumas mulheres acabaram se envolvendo na prostituição e os homens usados como mão de obra barata.
A Save the Children-UK (2006) alertou que um número crescente de crianças zimbabweanas entrou ilegalmente em Moçambique, acabando, algumas delas, por cair nas malhas da exploração e abuso, prostituição e trabalho infantil.
Este situação também teve impacto nos casos de contaminação pelo HIV/SIDA no país. Ainda segundo a Save the Children, a província de Sofala, apresentou uma taxa de seroprevalencia na ordem de 26.5%, por sinal, a mais alta do país.

Em ambos os países o efeito da crise na economia seria inevitável. Dados de 2008 da Organização Mundial do Comércio (OMC) indicam que a África do Sul é o maior parceiro comercial do Zimbabwe, responsável por 32.1% das exportações e 60.1% das importações. A não resolução do conflito político pode prolongar a crise económica e, por essa via, causar uma redução dos fluxos comerciais, afectando os rendimentos sul-africanos

Com Moçambique, o Zimbabwe também tem boas relações comerciais. Entretanto, de acordo com o jornal “O País” de 5 de julho de 2009, até esse mês, este país tinha uma dívida de cerca de 50 milhões USD pelo consumo da energia da HCB, ainda não pagos, prevendo-se que o valor tenha aumentado. Sendo Moçambique um país economicamente dependente e com dívida externa por pagar, a demora no pagamento dessa dívida pode causar um impacto negativo na sua economia. Não obstante, o Ministro moçambicano da energia, Salvador Namburete, numa entrevista ao mesmo jornal, disse que o país não iria interomper o fornecimento de energia ao Zimbabwe, como forma de ajudar este país a recuperar-se da crise em que se encontra. Este e outros factores, como a localização geográfica e os laços de amizade, de longos anos, entre os dois países, deveriam ser aproveitados pelo Governo moçambicano para assumir um papel mais interventivo na resolução do conflito zimbabweano.

Se Moçambique deu provas de possuir uma diplomacia eficaz com relação à crise malgaxe, conduzindo as partes em conflito ao Acordo de Maputo de 2009, no caso do Zimbabwe, nos parece que o País não está a demonstrar o mesmo desempenho. Pensamos que, pelas relações históricas e económicas existentes entre os dois Países, Moçambique devia fazer mais para ajudar a encontrar uma solução para a crise zimbabweana. Os dois países estão ligados pela historia de libertação, tendo Moçambique inclusive sido parte importante nos acordos de Lancaster House. Mas existem também as relações económicas que estão a ser comprometidas, conforme mencionado antes.

Portanto, ha um dever político, económico e moral de Moçambique, a par da África do sul, engajar-se mais na solução da crise zimbabweana, através de uma abordagem bilateral sem, no entanto, descartar o papel da SADC. Por outro lado, os parceiros internacionais deviam centrar as suas atenções na persuasão destes dois países, parceiros estratégicos do Zimbabwe.

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